domingo, julho 11, 2010

ilha das flores

Ilha das Flores, é um ácido e divertido retrato da mecânica da sociedade de consumo. Acompanhando a trajetória de um simples tomate, desde a plantação até ser jogado fora, o curta escancara o processo de geração de riqueza e as desigualdades que surgem no meio do caminho. O documentário de Jorge Furtado, filmado em 1989, prima pelo bom gosto estético ao mesmo tempo que viola a postura pseudo-correta adotada pelos conservadores de plantão. Ilha das Flores é um tapa na cara da sociedade de consumo desenfreada e um alerta, franco-atirador para todos que usam de bom senso. Como se não bastasse, o documentário produzido pela Casa de Cultura de Porto Alegre, traz o genial Paulo José como locutor dessa obra repleta de sensibilidade e que mostra, claramente, como conduzimos nossas vidas e o mundo em que vivemos. O vídeo, aborda o cotidiano com uma sutileza ímpar, fornecendo todos os elementos necessários para que pensemos onde estamos errando e como estamos agindo. Para alguns, o senso de humor do documentário, bem como, a narrativa inteligente adotada por Jorge Furtado podem soar engraçada e até mesmo cômica. No entanto, por trás do formato leve e despojado, existe uma forte e séria critica social. Os treze minutos do documentário Ilha das Flores são mais do que suficientes para mostrar a dura realidade que vivem milhares de pessoas por este país. É uma breve síntese do que deveria estar sendo seriamente debatido pelo mundo afora. Não em reuniões de interesses pessoais, mas em palestras sérias capitaneadas por pessoas de bom coração e desprovidas de vaidades. Acontecem, eu sei ! Mesmo que não sejam na velocidade do vento ou mesmo, no tempo que gostaríamos. São inúmeras as iniciativas due são diariamente tomadas por aqueles que enxergam com nitidez a gravidade do problema mas ainda insuficientes diante dos acontecimentos. Deveríamos realmente fazer algo ao invés de apenas ficar cobrando soluções. Ilha das Flores é um fiel retrato do nosso Brasil de desigualdades sociais e um alerta para o futuro que nós mesmos estamos construindo.

Abaixo um pequeno texto sobre o curta que está disponível na net.

De forma ácida e com uma linguagem quase científica, o curta mostra como a economia gera relações desiguais entre os seres humanos. O próprio diretor já afirmou em entrevista que o texto do filme é inspirado em suas leituras de Kurt Vonnegut ("Almoço de Campeões"/ "Breakfast of Champions") e nos filmes de Alain Resnais ("Meu Tio da América"/ "Mon Oncle d'Amérique"), entre outros.

O filme já foi acusado de "materialista" por ter, em uma de suas cartelas iniciais, a inscrição "Deus não existe". No entanto, o crítico Jean-Claude Bernardet (em "O Cinema no século", org. Ismail Xavier, Imago Editora, 1996) definiu Ilha das Flores como "um filme religioso" e a CNBBIlha das Flores foi eleito pela crítica européia como um dos 100 mais importantes curtas-metragens do século. (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu ao filme o Prêmio Margarida de Prata, como o "melhor filme brasileiro do ano" em 1990. Em 1995,

O curta está listado no livro "1001 Filmes para Ver Antes de Morrer", organizado por Steven Jay Schneider.

domingo, julho 04, 2010

SIDEWAYS


Ainda não sei quais são os filmes que irão passar na Sky hoje à noite, mas, o motivo deste texto, é tentar descrever um filme incrível que, finalmente, consegui assistir durante a semana passada.

Várias foram às vezes que estive na locadora para alugar “SIDEWAYS”, ou mesmo, trocar o já alugado DVD por outro, que talvez funcionasse no meu player. Devo ter tentando assisti-lo, pelo menos, quatro vezes nos últimos anos, porém, todas as tentativas foram em vão. Simplesmente, o DVD não rodava no meu player, muito menos, no meu PC. Senti-me frustrado com tantas tentativas sem resultado algum. Aqueles que me são mais próximos sabem o quanto eu gosto de filmes classificados como “artísticos”. Alguns gostam de chamá-los de filmes B, outros preferem rotulá-los de filmes estrangeiros e outros são mais sinceros ao afirmar que os consideram chatos. Na realidade, os filmes artísticos são apenas filmes que possuem um ritmo ou mesmo, um enfoque, diferente daqueles que estamos acostumados a ver lançados por Hollywood. São filmes que tratam os assuntos com mais naturalidade, abordam os temas sem as expectativas comuns ao mercado comercial e primam, quase sempre, pela simplicidade. São filmes produzidos de maneira mais livre, longe dos pragmatismos da indústria cinematográfica e em alguns casos, com orçamentos bem mais modestos. Sideways, certamente, está nessa classificação.

Dois amigos desiludidos com suas vidas decidem fazer uma viagem pela Califórnia antes do casamento de um deles - uma aventura regada a vinho e conversas sobre relacionamentos, mulheres, desilusões e dissabores da vida. Um roteiro apaixonante que nos prende do início ao fim. Resolvi colocar no meu blog uma critica escrita pelo Pablo Villaça que sintetiza muito bem o que vem a ser o filme. Dêem uma lida no texto e assistam ao filme que, sem sombra de dúvidas, é maravilhoso!

Dirigido por Alexander Payne. Com: Paul Giamatti, Thomas Haden Church, Virginia Madsen, Sandra Oh, Marylouise Burke, Jessica Hecht, Missy Doty.

Com apenas quatro longas-metragens em seu currículo, o diretor Alexander Payne já conseguiu se estabelecer como um dos autores mais interessantes do atual Cinema norte-americano. Contando sempre histórias que giram em torno de personagens ambíguos que seguem obviamente a definição clássica do anti-herói, Payne leva o espectador a se envolver com figuras que, em produções menos ambiciosas, seriam retratadas como seres desagradáveis e repulsivos. Mas há um elemento adicional que une Ruth (Ruth em Questão), o professor Jim McAllister (Eleição), o aposentado Warren Schmidt (As Confissões de Schmidt) e o escritor Miles Raymond (deste Sideways): a insignificância, o sentimento de que são apenas uma nota de rodapé no catálogo telefônico.

Baseado no livro semi-auto-biográfico de Rex Pickett, Sideways – Entre Umas e Outras acompanha uma semana na vida de dois personagens: o professor de escola primária Miles, que aguarda ansiosamente a resposta de uma editora que pode vir a publicar seu primeiro livro, e seu melhor amigo, o ator fracassado Jack, que irá se casar dali a alguns dias. Determinados a aproveitarem ao máximo seus últimos dias juntos como solteiros (Miles é divorciado), os dois partem em uma viagem por uma região da Califórnia conhecida por suas vinícolas, já que o professor (que também é enólogo) quer ensinar ao colega um pouco mais sobre os diferentes tipos de vinhos – aproveitando para embebedarem-se no processo, é claro.

Pois o fato (que o filme jamais escancara, permitindo que o espectador o perceba sozinho) é que a erudição de Miles sobre vinhos é uma fachada conveniente para seu alcoolismo: com suas ambições artísticas frustradas, seu casamento fracassado e sua crônica falta de dinheiro, o sujeito leva uma vida medíocre – e tem consciência disso. Assim, sua paixão `acadêmica` pela bebida não apenas permite que ele fuja da realidade através do álcool como também adiciona um toque de sofisticação a uma existência prosaica - sua fascinação pela enologia é mais do que fruto de sua atração por vinhos; é, principalmente, um desejo de se diferenciar de seus `pares`. Miles é, afinal de contas, um ser humano falho como todos nós – o que não o torna `mau`, apenas patético. Quando ele rouba dinheiro da própria mãe, percebemos que não se sente bem fazendo aquilo, mas só compreendemos a dimensão de sua vergonha quando descobrimos que ela emprestaria a quantia ao filho caso este pedisse: para Miles, seria mais desonroso confessar seu fracasso profissional do que simplesmente furtar parte das economias da mãe.

Criando um personagem complexo e real, Paul Giamatti oferece outra atuação estupenda – e é inacreditável que a Academia tenha lhe negado uma merecida indicação ao Oscar pelo segundo ano consecutivo, depois de já tê-lo injustiçado ao ignorar Anti-Herói Americano. Ao longo de Sideways, Giamatti leva o espectador a compreender a dor de Miles e mesmo a perdoá-lo por suas fraquezas – e, no processo, protagoniza uma infinidade de momentos memoráveis que causariam inveja em qualquer ator. Cito apenas três exemplos que, sozinhos, já seriam mais do que o bastante para garantir a indicação do ator a qualquer premiação (e que, juntos, transformam o erro da Academia em um tropeço imperdoável):

  1. Depois de consumir mais vinho do que o recomendado, Miles comete o erro de `beber e telefonar`, ligando para a casa da ex-esposa tarde da noite. Observe o comportamento de Giamatti nesta cena e perceba como o sujeito tenta soar jovial ao mesmo tempo em que seus olhos traem toda a sua dor – e como, aos poucos, ele não consegue deixar de expor seu rancor. Aliás, é comovente vê-lo utilizando uma das chantagens emocionais mais primárias entre ex-amantes, quando diz que não vai ao casamento de Jack apenas na esperança vã de ouvir a ex-esposa dizer que quer que ele vá.
  2. Durante uma conversa com a garçonete Maya, Miles explica por que aprecia tanto o vinho Pinot Noir, citando, com tom de mágoa, a fragilidade da uva e a necessidade de que o vinicultor saiba apreciar seu potencial, protegendo-a e valorizando-a. Naquele momento, fica óbvio para a moça (e para o espectador) que ele está falando de si mesmo – e o olhar de vulnerabilidade de Miles deixa claro que ele tem plena consciência de estar se expondo mais do que o habitual.
  3. Mas o grande momento de Paul Giamatti surge quando Miles ouve determinada notícia que claramente o deixa abalado. Porém, o brilhantismo da performance do ator reside na forma com que ele tenta esconder a dimensão do choque que sofreu: esforçando-se para sorrir, Miles procura conter as lágrimas, mas podemos perceber o tremor de seus lábios, os olhos umedecidos, a dificuldade com que respira e a oscilação de sua voz. Um instante como poucos na carreira de um ator magnífico.

Enquanto isso, Thomas Haden Church consegue a proeza de levar o espectador a gostar de Jack, mesmo que este se revele um canalha egocêntrico que, em busca de satisfação sexual, não hesita em contar graves mentiras à amante, uma mãe solteira (a sempre interessante Sandra Oh, esposa do diretor Payne). Neste caso, a força da composição de Haden Church reside na vivacidade de Jack, com seu jeitão de garotão de meia-idade e seu sorriso aberto e tolo. Impulsivo e inconseqüente, o sujeito nos faz acreditar que, de certo modo, acredita nas mentiras que conta – e sequer passa por sua mente a possibilidade de que possa vir a ferir quem quer que seja com suas fantasias. Com isso, é impossível, para o público, deixar de comover-se quando Jack finalmente enfrenta um momento de surpreendente vulnerabilidade.

Fechando o elenco, vem Virginia Madsen, que compõe a personagem mais centrada do filme: sensata (ainda que profundamente romântica), Maya revela sua compreensão sobre a personalidade de Miles em uma cena de incrível sutileza do longa, que provavelmente passará desapercebida por muitos espectadores: ao descobrir que a garçonete está fazendo mestrado em horticultura, Miles expressa um espanto tão grande que, embora ele manifeste sua admiração pelo esforço da garota, se torna óbvio que ele a subestimara – e, ainda que sinta-se ofendida por alguns segundos, Maya logo demonstra sua maturidade ao mudar de assunto com imenso tato. Além disso, Madsen protagoniza outra cena belíssima ao explicar de onde vem o interesse de sua personagem por vinhos (e sua eloqüência é tamanha que testemunhamos o segundo preciso no qual Miles se apaixona pela moça).

Dirigindo o filme com inteligência, Alexander Payne sabe exatamente quando se aproximar dos personagens (em closes reveladores) e quando se manter afastado (como ao respeitar o embaraçoso momento entre Miles e Maya na cozinha). Da mesma forma, o cineasta sabe que o olhar é algo fundamental em um filme tão intimista quanto Sideways e, por esta razão, procura sempre capturar a reação de um personagem ao que é dito para outro (um exemplo: quando a mãe de Miles o aconselha a se casar novamente, Payne não busca a reação óbvia, que seria a do próprio escritor, mas sim a de Jack, que estuda o amigo para ver como este receberá o conselho). E não há como não admirar a fotografia reveladora de Phedon Papamichael (também injustiçado pela Academia), que situa Jack sempre sob a luz do sol ao mesmo tempo em que mantém Miles na sombra – situação que só muda quando o protagonista finalmente se sente feliz pela primeira vez em muito tempo, quando, então, o filme se enche de cores e brilho.

Porém, talvez eu tenha deixado de fazer justiça a um elemento fundamental de Sideways: seu humor. Trazendo várias cenas divertidíssimas que certamente levarão o público às gargalhadas, o roteiro de Payne e seu parceiro habitual Jim Taylor consegue fazer rir por compreender que as situações engraçadas só funcionam quando integradas de maneira orgânica aos demais elementos da história – e, por acreditarmos naqueles incidentes, os consideramos ainda mais hilários.

É verdade que os personagens de Sideways caminham (metaforicamente, é claro) de lado, como o título original aponta com inteligência: presos em uma situação de constante mediocridade, Miles e Jack encontram-se no limbo da meia-idade, quando é tarde demais para retroceder a fim de buscar outro caminho e cedo demais para desistir de achar uma nova estrada que os leve adiante. No entanto, mais fascinante do que vê-los encontrar a tão sonhada rota da satisfação pessoal é testemunhar seus tropeços e torcer para que se levantem novamente.

Afinal, não podemos nos esquecer de que, na realidade, estamos todos percorrendo a mesma estrada.